O mecanismo que leva formação do câncer é amplamente
conhecido. As células de determinada região do corpo multiplicam-se de maneira
descontrolada, levando à criação de tumores. Nosso corpo possui mecanismos para
nos proteger desta multiplicação descontrolada. Pontas moleculares chamadas telómeros
protegem as extremidades dos cromossomos e evitam que eles se fundam quando as
células continuamente se dividem e duplicam seu DNA. É a perda destes telómeros
pode levar ao câncer.
Photo Instituto Salk |
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Estudando esta relação entre os telómeros e o câncer,
cientistas do Instituto Salk, uma instituição americana de pesquisa biológica e
de saúde, fizeram uma descoberta surpreendente. Um processo de reciclagem
celular chamado autofagia, geralmente considerado um mecanismo de sobrevivência
das células, faz justamente o oposto. Ajuda a morte das células, prevenindo o
câncer.
O trabalho, publicado ontem (23) na revista Nature, revela
que a autofagia é um caminho completamente novo para evitar tumores e sugere
que tratamentos para bloquear o processo, num esforço para reduzir o câncer,
podem, sem querer, ajuda-lo desde o início. “Esses resultados foram uma
surpresa completa. Existem muitos pontos que impedem que as células se dividam descontroladamente
se tornem cancerosas, mas não esperávamos que a autofagia fosse uma delas”, diz
Jan Karlseder, professor do Laboratório de Biologia Molecular e Celular de Salk
e principal autor do estudo da matéria publicada no site da instituição.
Cada vez que as células duplicam seu DNA para se dividir e
crescer, seus telómeros ficam um pouco mais curtos. Quando esses telómeros tornam-se
tão curtos que não conseguem cumprir sua função que é proteger efetivamente os
cromossomos, as células recebem um sinal para parar de se dividir. Mas
ocasionalmente, devido a algum vírus causador de câncer ou outros fatores, as
células não entendem a mensagem e continuam dividindo-se. Com os telómeros
curtos ou inexistentes, as células entram em um estado chamado “crise”, no qual
os cromossomos desprotegidos podem se fundir e se tornar disfuncionais, uma
característica de alguns tipos de câncer.
Por outro lado, muitas vezes a crise resulta em morte
celular disseminada que impede que as células pré-cancerosas continuem a
desenvolver o câncer. O mecanismo subjacente a essa morte celular benéfica ainda
não está bem esclarecido.
“Muitos cientistas presumiram que a morte celular “crise”
ocorre através da apoptose, que juntamente com a autofagia é um dos dois tipos
de morte celular programada. Mas ninguém estava fazendo experiencias para
descobrir se esse era realmente o caso”, diz no texto Joe Nassour, outro membro
da equipa.
Da esquerda:
Adriana Correia, Joe Nassour, Jan Karlseder, Robert Radford, Reuben Shaw e
Javier Miralles Fusté
Photo
Instituto Salk
|
Para tentar entender todo esse processo, Karlseder e Nassour
usaram células humanas saudáveis para realizar uma série de experiencias, nos
quais eles compararam células normalmente em crescimento com células que
forçadas a entrar em crise. Ao desativar vários genes limitadores do
crescimento (também conhecidos como genes supressores de tumores), Os
cientistas permitiram que as células se reproduzissem com naturalidade, ficando
os seus telómeros cada vez mais curtos
no processo.
Para saber qual tipo de morte celular responsável pela maior
parte das mortes em crise, eles examinaram marcadores morfológicos e
bioquímicos de apoptose e autofagia. Embora ambos os mecanismos sejam
responsáveis por um pequeno número de células que morrem nas células em
crescimento normal, a autofagia foi de longe o mecanismo dominante de morte
celular no grupo em crise, onde muito mais células morreram.
Quando impediam a autofagia em células em crise, eles obtiveram
resultados impressionantes. Sem a morte celular via autofagia para detê-las, as
células replicavam-se incessantemente. Além disso, quando a equipe analisou os
cromossomos dessas células, elas estavam fundidas e desfiguradas, indicando
danos severos ao DNA, idênticos aos observados em células cancerígenas,
revelando que a autofagia é um importante mecanismo de prevenção do câncer. A
imagem acima mostra a importância do mecanismo. Os 23 pares de cromossomos à
esquerda são das células em que a autofagia está funcionando. Eles são normais
e saudáveis, sem aberrações estruturais ou numéricas. Cada cor representa um
par cromossômico único. À direita, estão os cromossomos das células em que a
autofagia não está funcionando. Eles mostram aberrações tanto estruturais
quanto numéricas, com segmentos adicionados, excluídos ou trocados entre os
cromossomos, típico do câncer.
A equipe também testou o que acontecia quando tipos
específicos de danos ao DNA eram induzidos nas células normais, seja nas
extremidades dos cromossomos, através da perda de telómeros, ou nas regiões
intermediárias. As células com perda de telómeros ativaram a autofagia,
enquanto células com danos no DNA de outras regiões cromossômicas ativaram a
apoptose. Isso mostra que a apoptose não é o único mecanismo para destruir
células que podem ser pré-cancerosas devido a danos no DNA e que há uma interligação
entre os telómeros e a autofagia.
O trabalho revela que, em vez de ser um mecanismo que
estimula o crescimento não autorizado de células cancerígenas (ao canibalizar
outras células para reciclar matérias-primas), a autofagia é na verdade uma
salvaguarda contra esse crescimento. Sem autofagia, as células que perdem
outras medidas de segurança, como os genes que combatem tumores, avançam para
um estado de crise de crescimento descontrolado, danos galopantes no DNA e,
frequentemente, câncer.
“Este trabalho é emocionante porque representa tantas
descobertas completamente novas. Nós não sabíamos que era possível que as
células sobrevivessem à crise; nós não sabíamos que a autofagia está envolvida
com a morte celular em crise; nós certamente não sabíamos como a autofagia
previne o acúmulo de danos genéticos. Isso abre um campo completamente novo de
pesquisa que estamos ansiosos para seguir”, termina Jan Karlseder.