quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Mecanismo que acreditava-se provocar o câncer na verdade o previne


O mecanismo que leva formação do câncer é amplamente conhecido. As células de determinada região do corpo multiplicam-se de maneira descontrolada, levando à criação de tumores. Nosso corpo possui mecanismos para nos proteger desta multiplicação descontrolada. Pontas moleculares chamadas telómeros protegem as extremidades dos cromossomos e evitam que eles se fundam quando as células continuamente se dividem e duplicam seu DNA. É a perda destes telómeros pode levar ao câncer.


Photo Instituto Salk



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Estudando esta relação entre os telómeros e o câncer, cientistas do Instituto Salk, uma instituição americana de pesquisa biológica e de saúde, fizeram uma descoberta surpreendente. Um processo de reciclagem celular chamado autofagia, geralmente considerado um mecanismo de sobrevivência das células, faz justamente o oposto. Ajuda a morte das células, prevenindo o câncer.

O trabalho, publicado ontem (23) na revista Nature, revela que a autofagia é um caminho completamente novo para evitar tumores e sugere que tratamentos para bloquear o processo, num esforço para reduzir o câncer, podem, sem querer, ajuda-lo desde o início. “Esses resultados foram uma surpresa completa. Existem muitos pontos que impedem que as células se dividam descontroladamente se tornem cancerosas, mas não esperávamos que a autofagia fosse uma delas”, diz Jan Karlseder, professor do Laboratório de Biologia Molecular e Celular de Salk e principal autor do estudo da matéria publicada no site da instituição.






Cada vez que as células duplicam seu DNA para se dividir e crescer, seus telómeros ficam um pouco mais curtos. Quando esses telómeros tornam-se tão curtos que não conseguem cumprir sua função que é proteger efetivamente os cromossomos, as células recebem um sinal para parar de se dividir. Mas ocasionalmente, devido a algum vírus causador de câncer ou outros fatores, as células não entendem a mensagem e continuam dividindo-se. Com os telómeros curtos ou inexistentes, as células entram em um estado chamado “crise”, no qual os cromossomos desprotegidos podem se fundir e se tornar disfuncionais, uma característica de alguns tipos de câncer.

Por outro lado, muitas vezes a crise resulta em morte celular disseminada que impede que as células pré-cancerosas continuem a desenvolver o câncer. O mecanismo subjacente a essa morte celular benéfica ainda não está bem esclarecido.
Muitos cientistas presumiram que a morte celular “crise” ocorre através da apoptose, que juntamente com a autofagia é um dos dois tipos de morte celular programada. Mas ninguém estava fazendo experiencias para descobrir se esse era realmente o caso”, diz no texto Joe Nassour, outro membro da equipa.


Da esquerda: Adriana Correia, Joe Nassour, Jan Karlseder, Robert Radford, Reuben Shaw e Javier Miralles Fusté
Photo Instituto Salk


Para tentar entender todo esse processo, Karlseder e Nassour usaram células humanas saudáveis ​​para realizar uma série de experiencias, nos quais eles compararam células normalmente em crescimento com células que forçadas a entrar em crise. Ao desativar vários genes limitadores do crescimento (também conhecidos como genes supressores de tumores), Os cientistas permitiram que as células se reproduzissem com naturalidade, ficando os seus telómeros  cada vez mais curtos no processo.
Para saber qual tipo de morte celular responsável pela maior parte das mortes em crise, eles examinaram marcadores morfológicos e bioquímicos de apoptose e autofagia. Embora ambos os mecanismos sejam responsáveis ​​por um pequeno número de células que morrem nas células em crescimento normal, a autofagia foi de longe o mecanismo dominante de morte celular no grupo em crise, onde muito mais células morreram.

Quando impediam a autofagia em células em crise, eles obtiveram resultados impressionantes. Sem a morte celular via autofagia para detê-las, as células replicavam-se incessantemente. Além disso, quando a equipe analisou os cromossomos dessas células, elas estavam fundidas e desfiguradas, indicando danos severos ao DNA, idênticos aos observados em células cancerígenas, revelando que a autofagia é um importante mecanismo de prevenção do câncer. A imagem acima mostra a importância do mecanismo. Os 23 pares de cromossomos à esquerda são das células em que a autofagia está funcionando. Eles são normais e saudáveis, sem aberrações estruturais ou numéricas. Cada cor representa um par cromossômico único. À direita, estão os cromossomos das células em que a autofagia não está funcionando. Eles mostram aberrações tanto estruturais quanto numéricas, com segmentos adicionados, excluídos ou trocados entre os cromossomos, típico do câncer.

A equipe também testou o que acontecia quando tipos específicos de danos ao DNA eram induzidos nas células normais, seja nas extremidades dos cromossomos, através da perda de telómeros, ou nas regiões intermediárias. As células com perda de telómeros ativaram a autofagia, enquanto células com danos no DNA de outras regiões cromossômicas ativaram a apoptose. Isso mostra que a apoptose não é o único mecanismo para destruir células que podem ser pré-cancerosas devido a danos no DNA e que há uma interligação entre os telómeros e a autofagia.






O trabalho revela que, em vez de ser um mecanismo que estimula o crescimento não autorizado de células cancerígenas (ao canibalizar outras células para reciclar matérias-primas), a autofagia é na verdade uma salvaguarda contra esse crescimento. Sem autofagia, as células que perdem outras medidas de segurança, como os genes que combatem tumores, avançam para um estado de crise de crescimento descontrolado, danos galopantes no DNA e, frequentemente, câncer.
“Este trabalho é emocionante porque representa tantas descobertas completamente novas. Nós não sabíamos que era possível que as células sobrevivessem à crise; nós não sabíamos que a autofagia está envolvida com a morte celular em crise; nós certamente não sabíamos como a autofagia previne o acúmulo de danos genéticos. Isso abre um campo completamente novo de pesquisa que estamos ansiosos para seguir”, termina Jan Karlseder.



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