segunda-feira, 22 de abril de 2019

O que é Candida auris, o perigoso fungo resistente a medicamentos


Em 2015, a especialista em doenças infeciosas Johanna Rhodes, do Imperial College London, recebeu uma chamada de emergência de um hospital nos arredores de Londres

Dois pacientes tinham uma infeção que parecia resistente aos medicamentos e estava se espalhando pelo hospital sem que ninguém entendesse como.
"Até aquele momento a comunidade cie.ntífica praticamente não havia ouvido falar do Candida auris", conta Rhodes à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC



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"No hospital havia dois pacientes infetados com o micro-organismo, mas não parecia algo muito sério, até que perceberam que o fungo havia se espalhado pelas paredes, pelos móveis e por toda superfície do local", diz ela.
O fungo era muito difícil de identificar porque ninguém sabia direito o que estava procurando. “Aí chamaram-me para que os ajudasse a entender o que era e como e por que ele se propagava", diz Rhodes. O problema maior é que o fungo não estava se espalhando apenas pelo hospital de Londres, mas por todo mundo.
"Não sabemos qual a sua origem, mas ele foi identificado pela primeira vez em 2009, ao ser isolado após ter sido encontrado no canal auditivo de um paciente na Coreia do Sul", explica a especialista.
Alguns anos mais tarde, ele apareceu no Japão e começaram a surgir surtos na Índia, na África do Sul, na Venezuela, na Colômbia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Espanha.
O nome do micro-organismo é parecido com o fungo Candida albicans, um dos principais causadores de candidíase, pois ambos são do mesmo gênero (Candida) mas são espécies bem diferentes. A candidíase por Candida albicans é uma doença comum que pode afetar a pele, as unhas e órgãos genitais, e é fácil de tratar.



Já a infeção pelo Candida auris é resistente a medicamentos e pode ser fatal, explica à BBC Brasil o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, professor da Unifesp e especialista em contaminação com fungos.
Segundo o infectologista, é possível ser infetado de forma passageira pelo C. auris na pele ou na mucosa sem ter problemas. O fungo apresenta risco real se contaminar a corrente sanguínea.
Para a pessoa ser infetada, é preciso que tenha sofrido procedimentos invasivos (como cirurgias, uso de cateter venoso central) ou tenha o sistema imunológico comprometido. Pacientes internados em unidades de terapia intensiva por longos períodos e com uso prévio de antibióticos ou antifúngicos também são considerados grupo de risco para a contaminação.
Algumas pesquisas apontam um índice de mortalidade de 59% para infeções com C. auris, segundo o médico André Mário Doi, patologista do setor de microbiologia do Hospital Albert Einstein e autor de estudos sobre a espécie.
Janiel Nett, professora assistente do Departamento de Medicina e Microbiologia Médica e Imunológica da Universidade de Winsconsin, nos EUA, disse à BBC Mundo que diferentes variantes do fungo começaram a aparecer em quatro continentes ao mesmo tempo.
"Uma aparição assim simultânea não tem precedentes", afirma Rhodes, do Imperial College, de Londres. "E o que mais nos preocupa é que todas as variantes mostraram uma forte resistência aos medicamentos."


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Colombo explica que isso é resultado do processo evolutivo do fungo. "O Candida auris sofreu um processo de especialização. Nasceu em uma época em que há muito uso de substâncias antimicrobianas, muitos antifúngicos, e nesse ambiente de pressão seletiva a espécie se torna resistente", explica o infectologista da Unifesp.
Os antifúngicos matam quase todos os fungos, mas alguns sobrevivem, justamente os que possuem mutações que os tornam resistentes ao veneno. Estes reproduzem-se, e as gerações seguintes herdam os genes que tornaram os antepassados resistentes. A espécie vai, assim, se tornando cada vez mais resistente a medicamentos.
Nett explica que mais de 90% das infecções causadas pelo Candida auris são resistentes ao menos a um medicamento, enquanto 30% são resistentes a dois ou mais remédios.
O hospital em Londres onde Rhodes identificou o fungo em 2015 acabou conseguindo erradicá-lo, mas não foi fácil.





Uma das principais "habilidades" adquiridas pelo C. auris é a de persistir no ambiente inanimado, ou seja, ficar vivo fora do corpo humano. "Ele contamina o ambiente hospitalar e sobrevive durante semanas", diz Colombo.
O fungo também consegue sobreviver na boca e na pele de pessoas que já foram tratadas: a pessoa é curada da infeção na corrente sanguínea, mas o fungo sobrevive superficialmente por dias.
Segundo a Anvisa, o modo exato de transmissão não é conhecido. "Evidências iniciais sugerem que o organismo pode se disseminar em ambientes médicos por contato com superfícies ou equipamentos contaminados, ou de pessoa para pessoa", afirma a agência.
No entanto, a experiência durante os surtos registrados aponta que o fungo pode "contaminar substancialmente o ambiente de quartos de doentes infetados."
"A transmissão diretamente de artigos e equipamentos de assistência ao paciente (tais como estetoscópios, termômetros, esfigmomanómetros, entre outros) é um risco particular, porém isso não impede a transmissão através das mãos dos profissionais de saúde e as necessidades de higiene das mãos devem ser rigorosamente respeitadas."



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Os Estados Unidos tiveram um total de 537 casos de Candida auris, a maioria em hospitais. Segundo o CDC (Centro de Controle de Doenças dos EUA), quase metade dos pacientes que contraíram o fungo morreram em noventa dias.
Embora o fungo seja um potencial problema de saúde pública, Rhodes diz que as pessoas não devem se preocupar em excesso.
Em 2017, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) emitiu um comunicado de risco relatando surtos de Candida auris em serviços de saúde da América Latina, descrevendo o fungo como uma ameaça à saúde global.
Segundo a Anvisa, o primeiro surto na América Latina foi detetado em Maracaibo, na Venezuela, em 2013, afetando 18 pacientes 13 deles eram bebês. O país teve outros casos, alguns que não chegaram a ser oficialmente registados, segundo Jaime Torres, chefe da seção de doenças infeciosas do Instituto de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela.
"Não creio que vamos ter uma epidemia de Candida auris na Venezuela, mas cremos que ele pode causar infeção em pacientes que já estão doentes", disse Torres à BBC Mundo.


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Fonte//BBC